VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: SUPERAR O TRAUMA E RECUPERAR A AUTOESTIMA
Todo ano,denúncias de violência contra a mulher chegam a 73 mil, em 2018, vítimas de violência no Brasil, de acordo com uma pesquisa divulgada em 2018 pelo Datafolha. E ela acontece sob todas as formas, desde a agressão física, até uma relação sexual sem consentimento ou assédio emocional e psicológico. Para quem passa por situações como essa, o primeiro passo é identificar o agressor – principalmente quando é alguém muito próximo à vítima -, assumir o problema e procurar ajuda. O segundo, e às vezes ainda mais difícil, é conseguir superar o trauma e recuperar a autoestima.
Quais são os tipos de violência doméstica?
A violência pode ser física, psicológica, sexual, moral, negligêncial e patrimonial. A física envolve o uso de força, armas ou instrumentos que possam causar lesões; a psicológica diz respeito ao isolamento, insulto e constrangimento; a negligência acontece com desatenção e irresponsabilidade por parte de um ou mais membros da família; a sexual é quando há relação não desejada por meio de força ou também quando a vítima é impedida de usar métodos contraceptivos; a patrimonial é a destruição dos bens ou posse documentos pessoais da vítima; e moral, que é todo comportamento de calúnia e difamação.
Como alguém pode identificar que é vítima de violência doméstica?
Pode parecer óbvio para quem vê a situação de fora, mas nem todas as vítimas conseguem enxergar que estão submetidas à violência. Fernanda explica que algumas pessoas negam para si mesmas essa constatação porque não se sentem preparadas para lidar com ela. “A vítima pode sentir culpa, já que muitas vezes se coloca na mulher a responsabilidade de ‘segurar’ o marido; pode ser também por medo de retaliação do marido; vergonha pelo ‘fracasso’ do casamento; frustração por constatar o fim de um relacionamento que tanto se desejou e idealizou. Porém, para além dessas negações, violência é violência”, explica a psicóloga.
O que é o Transtorno do Estresse Pós-Traumático?
É um distúrbio de ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais causados por um episódio traumático que a vítima viveu ou presenciou, como violência doméstica, conflitos graves, aborto, separação conjugal, acidentes, enfermidades e morte súbita de entes queridos. “Isso acontece quando a pessoa se recorda da situação como se tivesse passando por aquilo de novo e sente a mesma sensação de dor e sofrimento. É chamado de revivescência”, explica Lívia. Pode causar uma série de sintomas, como falta de ar, taquicardia, desespero, angústia, sudorese, problemas com o sono, dor de cabeça, tontura, problemas de concentração, afastamento da vida social e hiperexcitabilidade. “A ansiedade é comum, ela não é ruim, é necessária porque nos faz levantar da cama todos os dias. Mas quando é elevada, quando faz parte da característica da pessoa, pode estar próximo de alguns transtornos”.
Todas as vítimas de violência sofrem de TEPT?
Nem todas as vítimas de violência sofrem de TEPT, mas esses episódios e memórias traumáticas podem se manifestar com outros transtornos, como Fobia Específica, Transtorno do Pânico, Transtornos Somatoformes, Transtorno de Ansiedade Generalizada e depressão. De acordo com Peres, a estimativa de TEPT na população em geral está em torno de 10%, enquanto a do TEPT parcial (alguns critérios mas não todos do TEPT são preenchidos), sobe para 30%. “Os traumas psicológicos podem também exercer significativa influência em comportamentos com isolamento social, distorções de percepção da identidade pessoal e alterações da crítica e do julgamento, que demandam os mesmos cuidados psicoterapêuticos, mesmo sem necessariamente caracterizar um transtorno”, detalha o neurocientista.
É possível ler alguns sinais para identificar um agressor em casa?
Ao contrário do que muita gente pensa, o agressor muitas vezes tem um comportamento disfarçado, que é confundido com excesso de cuidado. Exemplo disso é quando um homem reprova que a mulher use uma roupa alegando que não é controle ou ciúme, mas em função do perigo representado por outros homens. “Outra forma comum é fazer a vítima acreditar que não é inteligente, atraente, bonita ou capaz. Há ainda a insistência em se colocar culpa na vítima em tudo que dá errado em sua vida, mesclando crueldade e ‘generosidade’, pois apesar disso ele ainda a ama. Por detrás de tudo isso, há um agressor que muitas vezes já passou por essa agressão e sente a necessidade extrema por controlar a vítima. Tudo isso se enquadra dentro do que chamamos de relações abusivas, que são caracterizadas por jogos de controle, chantagem emocional, violência, ciúmes, abstinência sexual e frieza emocional”, afirma Fernanda.
Como o trauma decorrente de violência doméstica pode afetar a pessoa?
A violência doméstica pode causar sofrimento que afeta o funcionamento cognitivo, a saúde física e as relações interpessoais. Peres lista as reações mais frequentes:
Efeitos cognitivos: confusão mental; desorientação temporal; dificuldade de concentração e de tomada de decisão; dificuldade em expressar pensamentos; incredulidade; pensamentos indesejados; perturbações de memória; pesadelos; preocupações exacerbadas.
Efeitos emocionais: amortecimento e anestesiamento; ansiedade; apreensão; culpa; desamparo; desesperança; impotência; desespero; irritabilidade; negação; pânico; raiva; tristeza.
Efeitos físicos: abuso de álcool ou drogas; alterações cardiovasculares (aumento ou diminuição da frequência cardíaca); arrepios; estado de alerta e hiperatividade; fadiga; fraqueza; insônia; perda da energia sexual; perda do apetite ou alimentação compulsiva); problemas de saúde (somatizações como, por exemplo, dor de cabeça, desconfortos gástricos, diarreia, dor de estômago, náusea..); tonturas; transpiração intensa; tremores.
Efeitos interpessoais: conflitos de relacionamentos sociais; isolamento; prejuízo do desempenho profissional; recusa de seguir regras convencionais.
Como a psicoterapia ajuda a superar o trauma?
A psicoterapia ajuda a dar um novo sentido para um evento traumático. Lívia explica que as pessoas que melhor lidam com tragédias são as que atribuem significados mais positivos a esses eventos, como se fosse um auxílio ao crescimento pessoal e superação pessoal. Depois de uma experiência de violência, algumas pessoas acabam se vitimizando e se isolando, e a psicoterapia mostra caminhos que, normalmente, as pessoas não conseguem encontrar sozinhas.
“Quando a gente fala, a gente também escuta. Falar sobre os traumas, parece um pouco paradoxo, mas ajuda a superar. Ainda que não consiga expressar os próprios sentimentos, memórias, de maneira adequada, tem que tentar. Cada vez que a gente conta e reconta uma história, querendo ou não, nós inserimos elementos cognivitos e acaba modificando. A psicoterapia direciona essa conversa no sentido da superação”.
Quais fatores impedem a superação de um trauma?
Não há nada que impeça a superação de um trauma, mas alguns obstáculos podem dificultar esse processo de voltar a vida ao normal. De acordo com Peres, há uma atitude fundamental, que ajuda a recuperar a autoestima e ressignificar esse momento: falar sobre ele.
“Muitas vítimas de violências domésticas procuram apoio profissional, literatura, apoio de amigos, enquanto outras enfatizam o silêncio, o isolamento, o colapso e/ou a vitimização. Especialmente o silêncio pode impedir a superação do trauma”, diz. O silêncio nunca ajuda a vítima, apenas o vitimizador.
Como recuperar a autoestima após passar por uma situação como essa?
Se você já se livrou de um relacionamento abusivo, o melhor que pode fazer é se perdoar. “Não se inferiorize pelo ocorrido, pois isso é fruto de relacionamentos formatados pelo patriarcalismo que está presente nas formas sociais de convivência, especialmente no Brasil. A superação de toda dor se dará a partir desse perdão”, explica Fernanda. E não se esqueça de procurar ajuda profissional.